quinta-feira, 7 de maio de 2009

Aspas


Christhian Saghaard é o entrevistado da semana nesta seção. É cineasta, fotógrafo e produtor. Dirigiu 5 filmes de curta-metragem, sendo que o primeiro deles ainda como aluno de cinema da USP. Seu primeiro longa-metragem, “O Fim da Picada”, foi premiado como Melhor Filme no Festival de Cinema de Porto Alegre-Cine Esquema Novo 2008 . Atualmente finaliza o curta-metragem com temática infantil “O Avô do Jacaré”.


Lidiane Moreira: Fazem parte de seu repertório "Demônios", "Isabel e o Cachorro Flautista" e "Meressias", entre outras. "O Fim da Picada" possui elementos temáticos semelhantes (mitologia, misticismo e folclore). Como é o processo de mesclar esses elementos em suas obras?



Christhian Saghaard: Gosto de utilizar mitos fantásticos, e na sua maioria brasileiros, em estruturas narrativas que cruzem os limites da realidade e da fantasia. Essa pergunta me fez pensar pela primeira vez sobre essa questão, e agora que os filmes citados já estão prontos, posso vê-los com um certo distanciamento. São temas e enfoques que estão presentes nos meus curtas-metragens; o universo underground da cidade, o surrealismo e a fantasia, o terror e o terrir.

Meu último curta, “Isabel e o Cachorro Flautista”, é um filme direcionado para o público infantil, a personagem principal é uma menina que mora na praia e que tem um contato muito próximo com o mar, e com Iemanjá. Então ela mergulha no mar onde encontra a cidade. Esse mergulho no universo do fantástico é recorrente nos meus filmes, e acho que quase todas as questões discutidas no curtas estão presentes, mesmo que com outro recorte, no longa “O Fim da Picada”. Existe sempre um mergulho, de uma forma ou de outra, que leva a mundos paralelos.
Então nos filmes existe uma recriação do mito num ambiente de metrópole contemporânea, sempre colocada em contra-ponto com a mata, o mar, a natureza. O desenvolvimento das idéias acabam trazendo à tona outras lendas, orixás, santos, satanistas...recriando mitos. Além de uma leitura da cidade de São Paulo do ponto de vista das crianças, que revelam muito do mundo dos adultos.



Lidiane: A peça teatral “Macário” nomeia o seu protagonista. A literatura romântica de Álvares de Azevedo parece ser bem influente, é o pano de fundo do seu longa?



Christhian Saghaard: A idéia inicial de “O Fim da Picada” nasceu com a convivência com personagens que vivem pelo centro antigo de São Paulo, e em especial um garoto que morava na rua, boa parte do tempo fumando crack num cachimbo, e mancava com uma das pernas. O apelido do garoto era “Corintiano”. Com o passar do tempo associei o “Corintiano” com um dos mitos mais importantes do folclore brasileiro, o Saci. Então no filme existe uma recriação do mito num ambiente de metrópole contemporânea. Mas o pano de fundo é mesmo o texto de Álvares de Azevedo, que é usado para discutir as formas de relacionamento do homem contemporâneo, em comparação com os outros animais. Não só o texto de Macário, mas as origens e influências que por sua vez inspiraram Azevedo, como a literatura satanista.


A narrativa vai de 1852, para a megálope, São Paulo caótica, em 2008. Como se dá a construção da narrativa nesta cronologia?


CS: Eu tinha alguns pontos de partida que por alguma razão eu achava que poderiam estar presentes num mesmo filme. Então os raciocínios vão se encaixando através de associações sonoras e visuais, as vezes bem simples como: Macário conhece Satã subindo a serra de Santos, em 1850. Satã oferece cachimbo com fumo alucinógeno para Macário. Os dois chegam na cidade de São Paulo. E não seria ainda mais satânico se usássemos a cidade de São Paulo nos dias de hoje? Então Macário chega em São Paulo, e agora! E assim por diante.


O filme usa elementos do folclore brasileiro. É a tentativa de inserir identidade nacional aos filmes de terror?


CS: Acho que é um movimento natural o de inserir elementos com os quais me identifico mais, e por princípio, por crença ou por gosto mesmo, prefiro trabalhar com elementos que emergem dos mitos das pessoas que me cercam. Revelar o que está oculto e que ao mesmo tempo rege o pensamento dos brasileiros e suas múltiplas origens e caminhos.


Planos e movimentos de câmera. O que espera do público a partir deste impacto imagético?

CS: Em alguns dos meus filmes não há diálogos, e outros são poucas frases, escolhidas a dedo. A narrativa depende de uma concatenação de imagens e sons, e como ela flui no limite do fantástico e do real, é preciso ser muito preciso na decupagem, que deve ser bastante expressiva. Por isso cresce ainda mais a importância dos movimentos de câmera, dos enquadramentos. Faço a câmera de todos meus filmes, pois é ela que vai atrair e conduzir o olhar do espectador durante a narrativa. Muitas vezes os movimentos de câmera nascem juntos com uma idéia, com um ponto de partida para o argumento.


Os recortes antropofágicos são inerentes as suas obras. O que pretende levar ao público com estes conflitos sociais através do folclore, o social-simbólico?

CS: Uma abordagem dos conflitos sociais que vem da origem do homem, da origem dos mitos do homem, que estão presentes e ainda se refletem nos acontecimentos mais recentes, na política dos dias de hoje, e, portanto fazer com que o homem consiga se enxergar com mais distanciamento, entendendo que somos animais, e entre eles não somos os melhores, há animais melhores que nós em todos os aspectos.
O homem enlouqueceu por se achar diferente de toda a fauna e flora que o cerca. Mas justamente no início, na origem, o homem não se confundia achando-se tão diferente dos outros animais, e os primeiros mitos são os mais verdadeiros. Às vezes deveríamos aprender com o homem das cavernas quem realmente somos...e o folclore é uma forma simbólica de representar nossos desejos e medos mais antigos.


Elementos de suas obras envergam a possibilidade que “tudo é possível”. Algo incomum ao cenário brasileiro. Qual a análise faz deste seu peculiar cinema marginal com o clássico nacional?


CS: Acho que o cinema pode ser um espaço para que o homem rompa com seus limites imaginários, para que crie outros mundos, intua outras dimensões. Vejo todo tipo de cinema e em especial filmes brasileiros, e acho o cinema clássico nacional tão importante quanto o cinema de curta-metragem feito pelos jovens hoje, os primeiros filmes dos jovens são especialmente ricos e menos convencionais.


Com o exemplo de Demônios e agora O Fim da Picada, seus personagens são imersos no underground paulista. O Ricardo de Vuono protagoniza ambas produções. Como é esta simbiose com o ator?

CS: O Ricardo é um caso bem especial nos meus filmes, somos amigos há quase vinte anos, já conversamos sobre cinema ao mesmo tempo em que víamos o cinema ao freqüentar as ruas e bares da cidade. Como o Ricardo é arquiteto, existia uma simbiose ainda mais rica; eu vejo a realidade que está na minha frente como parte de um possível roteiro de cinema, sempre atento às cenas mais interessantes, aos sons que somados a algumas imagens poderiam ser interessantes de se levar para um filme, e o Ricardo trazia uma visão criativa e ao mesmo tempo histórica do espaço físico que nos envolvia. O Ricardo participou da elaboração de alguns dos meus filmes de forma bem próxima, e inclusive aprendemos muito durante as filmagens sobre a relação da câmera e do ator, para no filme O Fim da Picada termos chegado a uma simbiose que oscila entre o grito e o silêncio na forma de fazer cinema.


O Fim da Picada vai ser exibido na Mostra Especial do Miragem. O Tocantins será o primeiro da região Norte a exibir o longa?



CS: Sim, o filme está participando de festivais, já foi exibido em Salvador, e sabemos que vamos entrar em cartaz na região Norte através da rede Cinemark. Ainda não estão definidos os estados, e por isso essa exibição na Mostra Especial do Miragem ainda ganha mais importância.



O que espera das regiões Norte/Nordeste? As expectativas para exibição do filme na Mostra Miragem?


CS: O filme traz o universo tanto da metrópole como o do folclore regional, cruzando mitos e personagens que transitam no imaginário de todas as regiões do país, estamos numa grande expectativa em relação a resposta do público ao filme na Mostra Miragem! Acho que o longa "O Fim da Picada" ainda vai se situar em relação às outras obras audiovisuais brasileiras, e isso acontece pouco a pouco e a cada exibição. Eu só entendo melhor o que fiz através dos comentários dos espectadores, que criam novas relações entre os personagens, o espaço e as idéias que me motivaram a fazer o filme. Portanto é o público que vai entender o filme e colocá-lo no seu devido lugar, seja lá qual for...


O Miragem surgiu a partir da escassez da cultura audiovisual no Estado. Que panorama faz a respeito do evento que chega a sua IV edição, idealizada e organizada, por seu ex-aluno da Oficinas do Kinoforum, o Cássio?


CS: Fico muito feliz com a iniciativa de vocês. Vocês devem saber como é importante para um artista ver sua obra rodando pelo país, e vai ser a primeira vez que um filme meu vai ser exibido em Tocantins, acredito eu. O Cássio já tinha uma pegada muito decidida e apaixonada pelo cinema de uma forma geral, do tipo que eu gosto, que pensa, cria e bota a mão na massa também.

Para terminar, foi especialmente difícil e prazeroso responder essas questões, porque pelas perguntas fui obrigado a rever idéias, e ao mesmo tempo enxergar novas, idéias, ficou claro que quem bolou essas perguntas sabia do que estava falando, teve um cuidado em comparar filmes que fiz e isso é muito raro mesmo. Foi difícil, mas consegui chegar ao final!

Quando filme for ser exibido, não se esqueçam; ouvir em alto e bom som, porque isto aqui é rock, porra !

Um comentário:

  1. Boa entrevista, gostei muito
    o blog tah bacana,.
    foi tão bem elaborada as perguntas que o Christhian sentiu um pouco de dificuldade...
    parabens...

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